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Tsunami, 10 anos depois: angústia e cicatrizes que persistem na região de Fukushima

11 de Março de 2021

Por Ewerthon Tobace
De Tóquio (Japão) para a BBC News Brasil
Foto 1: Kimimasa Mayama / EPA
Foto 2: Kim Kyung-Hoon / REUTERS

No dia 11 de março de 2011, o mundo viu perplexo cenas de destruição causadas por um tsunami que atingiu a costa nordeste do Japão após um terremoto de magnitude 9, o mais forte já registrado no país.

Cidades e vilarejos quase inteiros de três províncias principalmente - Fukushima, Miyagi e Iwate - foram arrastados pelas águas. Comunidades pesqueiras foram arrasadas pela força das águas, que não poupou da devastação nem as cidades um pouco maiores. Mais de cem mil casas e prédios simplesmente desapareceram do mapa.

Mais de 15 mil pessoas morreram, e mais de 2.500 corpos não foram encontrados até hoje.

Para completar, a onda gigante danificou os geradores que garantiam o resfriamento do combustível atômico da usina nuclear de Fukushima. Três reatores explodiram, levantando uma nuvem radioativa que causou o segundo pior acidente nuclear da história, superado apenas por Chernobyl, na Ucrânia, em 1986.

Passada uma década, o que mais li, vi e ouvi foram relatos de jornalistas enaltecendo a resiliência do povo japonês e maravilhados com o jeito contido dos sobreviventes, muitos dos quais haviam perdido tudo. A imprensa mostrou exaustivamente comunidades organizadas em centros de evacuação ou em casas provisórias, filas para receber comida e água, voluntários e doações chegando de todos os lados do país e do mundo, estruturas e estradas sendo reconstruídas.

A vida, ao longo dos anos, parecia que retomava a normalidade. Mas faltava algo para mim. Havia muito mais do que histórias tristes, de heroísmo ou de superação por trás desta tripla tragédia. Somente agora, depois de dez anos de muitas idas à região, comecei a entender o motivo de sentir tanta angústia quando voltava para lá. Minha última viagem, de 5 dias, foi no final de fevereiro. Por causa do clima severo, da geografia complicada e da distância dos grandes centros urbanos, como a capital Tóquio, a região nordeste é conhecida como o rincão do Japão.

Por causa do clima severo, da geografia complicada e da distância dos grandes centros urbanos, como a capital Tóquio, a região nordeste é conhecida como o rincão do Japão. E nesse lugar bucólico vive um povo que tem fama de taciturno, teimoso e um tanto fechado. Minha mãe nasceu ali, em Nobiru, uma vila de pescadores de baleia encravada em uma das áreas costeiras mais bonitas da província de Miyagi.

Com muita dor no coração, a família deixou a terra natal logo após a Segunda Guerra Mundial em busca de uma vida melhor no Brasil. E foi com meus avós maternos, Takeko e Tomesaburo, que adquiri um pouco daquelas características locais. Desde pequeno aprendi que respirar fundo e contemplar o silêncio era o melhor a fazer em uma situação de tensão. Por isso, não fiquei surpreso quando ouvi a professora aposentada Yumiko Miyabe contar que os alunos da escola primária onde ela trabalhava enfrentaram a tragédia com muita coragem.

"Fazia muito frio, estava muito escuro, não tinha luz nem comida. Mas as crianças sabiam que era uma questão de vida ou morte. Então, ninguém chorou ou reclamou naquela noite", lembra.

A Escola Primária Nakahama, na cidade de Yamamoto, virou museu. Ali, cerca de 90 crianças, professores e moradores vizinhos se refugiaram do tsunami na cobertura do prédio de dois andares e foram salvos no dia seguinte de helicóptero. Yumiko ainda trabalha ali, mas agora como guia. "Precisamos ensinar as pessoas sobre o valor da vida", diz. Foi este mesmo sentimento, de se importar com cada vida humana, que captei no olhar de uma enfermeira, logo nos primeiros dias após a catástrofe.

A cada sobrevivente resgatado das águas frias, ela deixava correr as lágrimas pela face, de forma contida, e agradecia a cada um por ter lutado e se salvado. Sem muitas palavras, apenas com muitos gestos de carinho e cuidado. Mas ela desabou em prantos, um choro doído, quando viu uma conhecida da avó chegar ao hospital, em Ishinomaki, na província de Miyagi, cidade que registrou o maior número de mortos. Foram pouco mais de 3 mil. A senhora estava num carro que foi arrastado pelas ondas. Naquele dia fazia muito frio. Nevara durante a tarde e a temperatura congelante castigou os sobreviventes na primeira noite.

Com a ajuda de moradores que estavam ilhados na cobertura de um prédio, a idosa foi resgatada. Fraca, desidratada, gélida. Mas resistiu, e emociona até hoje quem assiste ao seu salvamento registrado por câmeras de celular. Enquanto a senhora Yumiko mostrava o que restou da escola e contava os detalhes daquele fatídico dia, essas histórias coletadas em uma década de cobertura vieram à minha mente. E ao assistir a um vídeo produzido para o acervo do museu me lembrei de determinados episódios que fizeram meus olhos se encherem de lágrimas.

Havia quase cinco anos que não revisitava as imagens do tsunami. O que será que aconteceu com a menina que, incansavelmente, não parava de chamar pela mãe entre os destroços? Ou com as dezenas de crianças que ficaram por mais de um mês esperando os pais irem buscá-las na escola? E o senhor que viu a esposa e a mãe serem levadas pela onda gigante, sem ter como ajudá-las? A imagem da fazendeira chorando aos prantos ao ver suas vacas leiteiras serem todas sacrificadas por causa da contaminação nuclear me dá um nó na garganta até hoje.

Deixei a escola com vontade de viver, cheio de ideias e questionamentos. À medida que o carro avançava pela estrada empoeirada, vazia e praticamente sem vida, percebi que aquela ferida talvez nunca mais se cicatrizasse. E que os mais de US$ 290 bilhões investidos pelo governo no projeto de reconstrução e remodelamento das cidades não mudarão a balança para os moradores locais. As perdas foram irreparáveis e muito mais profundas. Engoli a seco ao lembrar que, enquanto esse povo olha para trás, em silêncio, ainda de luto, o governo pensa na festa que pretende organizar daqui alguns meses, quando começar a Olimpíada de Tóquio, evento com o qual pretende mostrar ao mundo a recuperação de uma tragédia. 

RECONSTRUÇÃO 

Após uma década, é preciso reconhecer que muito já foi feito na região. Na área mais portuária, quase não se veem mais casas. Pequenos conglomerados de comércio, hotéis e indústria pesqueira são a faísca de vida dessas cidades. Por toda a costa, o que mais existe são canteiros de obras, intermináveis. O barulho das máquinas ecoa o dia todo, misturado ao assobio do vento forte. Quando olhamos para o mar... não o vemos mais. Um muro gigante, com até 15 metros de altura em alguns pontos, tampa a nossa visão.

Esse legado do tsunami tem ao todo 430 quilômetros de parede de concreto, com quase 80% da estrutura já pronta. Ela ganhou o apelido de "A Grande Muralha", uma obra faraônica que custou aos cofres públicos US$ 17 bilhões e que tem a missão de proteger as cidades de futuros tsunamis. Também, dez anos depois, ainda não está pronta a maior parte dos projetos de reconstrução nas três províncias mais atingidas pelo tsunami e pelo desastre nuclear. E, enquanto isso, o governo do primeiro-ministro Yoshihide Suga já inaugurou o que ele chamou de "segundo período de reconstrução", que se estenderá pelos próximos cinco anos e cujo foco serão trabalhos intangíveis, como atendimento e apoio às vítimas.

Segundo cálculos do governo, cerca de 2 mil pessoas ainda vivem em abrigos provisórios. Outro problema são as famílias desalojadas por causa da contaminação radioativa na área próxima da usina de Fukushima. Das 470 mil pessoas removidas, perto de 41 mil ainda não voltaram para suas casas. De toda área delimitada como zona de exclusão, um total de 30% ainda continua fechado.

O governo quer que os moradores retornem para suas casas em breve e pretende incentivar a migração de famílias de outras regiões para lá. Em 2017, as autoridades liberaram trechos de alguns municípios. Visitei Okuma e Futaba, bem próximas da usina. As duas se parecem mais com cidades fantasmas. "Alguns ex-moradores vêm ver como estão suas casas, ou visitar o túmulo dos parentes", explica Mihoko Yamane, que faz parte de um projeto de reconstrução da cidade. O abandono é desolador. O cenário apocalíptico só não é completo por causa das dezenas de trabalhadores contratados para limpar cada centímetro da área. 

Dez anos depois, esse minucioso trabalho continua. É preciso lavar com jatos de água as casas, muros, árvores. Não se pode deixar nenhum resquício de contaminação radioativa. Depois, todo o solo é raspado e o entulho é cuidadosamente colocado em sacos pretos enormes, que se acumulam em depósitos a céu aberto. A usina é outro problema. O responsável pelo desmantelamento da planta, Akira Ono, confirma que o prazo para a desmontagem de toda a estrutura vai durar entre 20 e 30 anos.

Suga já se antecipou nesta semana e disse que o governo decidirá em breve o destino da água contaminada que está sendo armazenada em milhares de tanques. O problema é que a capacidade destes contêineres se esgota no outono do próximo ano. Antes de pegar o caminho de volta à Tóquio, parei de frente ao mar mais uma vez e rezei. Ali, parado, observando um pássaro que tentava vencer o forte vento, percebi que não sentia mais o aperto no coração.

Entendi finalmente que o meu elo com o Japão também estava ali, naquele povo "caipira" e fechado. E ao reconectar-me com minhas raízes compreendi a importância e a responsabilidade como jornalista de mostrar, sim, o todo, mas sem me esquecer dos verdadeiros protagonistas.

Histórias como a de um senhor que perdeu o pai, a mãe, a esposa e a filha em Otsuchi, na província de Iwate.

De um dia para outro, ficou solitário neste mundo e, por cinco anos, buscou uma razão para continuar vivendo. "É difícil, mas então percebi que se eu não lembrar da existência deles, quem vai se recordar que essa família existiu? Ou saber que eles moravam aqui. É por isso que eu nunca vou esquecê-los."


Por Ewerthon Tobace
De Tóquio (Japão) para a BBC News Brasil
Foto 1: Kimimasa Mayama / EPA
Foto 2: Kim Kyung-Hoon / REUTERS

No dia 11 de março de 2011, o mundo viu perplexo cenas de destruição causadas por um tsunami que atingiu a costa nordeste do Japão após um terremoto de magnitude 9, o mais forte já registrado no país.

Cidades e vilarejos quase inteiros de três províncias principalmente - Fukushima, Miyagi e Iwate - foram arrastados pelas águas. Comunidades pesqueiras foram arrasadas pela força das águas, que não poupou da devastação nem as cidades um pouco maiores. Mais de cem mil casas e prédios simplesmente desapareceram do mapa.

Mais de 15 mil pessoas morreram, e mais de 2.500 corpos não foram encontrados até hoje.

Para completar, a onda gigante danificou os geradores que garantiam o resfriamento do combustível atômico da usina nuclear de Fukushima. Três reatores explodiram, levantando uma nuvem radioativa que causou o segundo pior acidente nuclear da história, superado apenas por Chernobyl, na Ucrânia, em 1986.

Passada uma década, o que mais li, vi e ouvi foram relatos de jornalistas enaltecendo a resiliência do povo japonês e maravilhados com o jeito contido dos sobreviventes, muitos dos quais haviam perdido tudo. A imprensa mostrou exaustivamente comunidades organizadas em centros de evacuação ou em casas provisórias, filas para receber comida e água, voluntários e doações chegando de todos os lados do país e do mundo, estruturas e estradas sendo reconstruídas.


A vida, ao longo dos anos, parecia que retomava a normalidade. Mas faltava algo para mim. Havia muito mais do que histórias tristes, de heroísmo ou de superação por trás desta tripla tragédia. Somente agora, depois de dez anos de muitas idas à região, comecei a entender o motivo de sentir tanta angústia quando voltava para lá. Minha última viagem, de 5 dias, foi no final de fevereiro. Por causa do clima severo, da geografia complicada e da distância dos grandes centros urbanos, como a capital Tóquio, a região nordeste é conhecida como o rincão do Japão.

Por causa do clima severo, da geografia complicada e da distância dos grandes centros urbanos, como a capital Tóquio, a região nordeste é conhecida como o rincão do Japão. E nesse lugar bucólico vive um povo que tem fama de taciturno, teimoso e um tanto fechado. Minha mãe nasceu ali, em Nobiru, uma vila de pescadores de baleia encravada em uma das áreas costeiras mais bonitas da província de Miyagi.

Com muita dor no coração, a família deixou a terra natal logo após a Segunda Guerra Mundial em busca de uma vida melhor no Brasil. E foi com meus avós maternos, Takeko e Tomesaburo, que adquiri um pouco daquelas características locais. Desde pequeno aprendi que respirar fundo e contemplar o silêncio era o melhor a fazer em uma situação de tensão. Por isso, não fiquei surpreso quando ouvi a professora aposentada Yumiko Miyabe contar que os alunos da escola primária onde ela trabalhava enfrentaram a tragédia com muita coragem.

"Fazia muito frio, estava muito escuro, não tinha luz nem comida. Mas as crianças sabiam que era uma questão de vida ou morte. Então, ninguém chorou ou reclamou naquela noite", lembra.

A Escola Primária Nakahama, na cidade de Yamamoto, virou museu. Ali, cerca de 90 crianças, professores e moradores vizinhos se refugiaram do tsunami na cobertura do prédio de dois andares e foram salvos no dia seguinte de helicóptero. Yumiko ainda trabalha ali, mas agora como guia. "Precisamos ensinar as pessoas sobre o valor da vida", diz. Foi este mesmo sentimento, de se importar com cada vida humana, que captei no olhar de uma enfermeira, logo nos primeiros dias após a catástrofe.

A cada sobrevivente resgatado das águas frias, ela deixava correr as lágrimas pela face, de forma contida, e agradecia a cada um por ter lutado e se salvado. Sem muitas palavras, apenas com muitos gestos de carinho e cuidado. Mas ela desabou em prantos, um choro doído, quando viu uma conhecida da avó chegar ao hospital, em Ishinomaki, na província de Miyagi, cidade que registrou o maior número de mortos. Foram pouco mais de 3 mil. A senhora estava num carro que foi arrastado pelas ondas. Naquele dia fazia muito frio. Nevara durante a tarde e a temperatura congelante castigou os sobreviventes na primeira noite.

Com a ajuda de moradores que estavam ilhados na cobertura de um prédio, a idosa foi resgatada. Fraca, desidratada, gélida. Mas resistiu, e emociona até hoje quem assiste ao seu salvamento registrado por câmeras de celular. Enquanto a senhora Yumiko mostrava o que restou da escola e contava os detalhes daquele fatídico dia, essas histórias coletadas em uma década de cobertura vieram à minha mente. E ao assistir a um vídeo produzido para o acervo do museu me lembrei de determinados episódios que fizeram meus olhos se encherem de lágrimas.

Havia quase cinco anos que não revisitava as imagens do tsunami. O que será que aconteceu com a menina que, incansavelmente, não parava de chamar pela mãe entre os destroços? Ou com as dezenas de crianças que ficaram por mais de um mês esperando os pais irem buscá-las na escola? E o senhor que viu a esposa e a mãe serem levadas pela onda gigante, sem ter como ajudá-las? A imagem da fazendeira chorando aos prantos ao ver suas vacas leiteiras serem todas sacrificadas por causa da contaminação nuclear me dá um nó na garganta até hoje.

Deixei a escola com vontade de viver, cheio de ideias e questionamentos. À medida que o carro avançava pela estrada empoeirada, vazia e praticamente sem vida, percebi que aquela ferida talvez nunca mais se cicatrizasse. E que os mais de US$ 290 bilhões investidos pelo governo no projeto de reconstrução e remodelamento das cidades não mudarão a balança para os moradores locais. As perdas foram irreparáveis e muito mais profundas. Engoli a seco ao lembrar que, enquanto esse povo olha para trás, em silêncio, ainda de luto, o governo pensa na festa que pretende organizar daqui alguns meses, quando começar a Olimpíada de Tóquio, evento com o qual pretende mostrar ao mundo a recuperação de uma tragédia. 


RECONSTRUÇÃO 

Após uma década, é preciso reconhecer que muito já foi feito na região. Na área mais portuária, quase não se veem mais casas. Pequenos conglomerados de comércio, hotéis e indústria pesqueira são a faísca de vida dessas cidades. Por toda a costa, o que mais existe são canteiros de obras, intermináveis. O barulho das máquinas ecoa o dia todo, misturado ao assobio do vento forte. Quando olhamos para o mar... não o vemos mais. Um muro gigante, com até 15 metros de altura em alguns pontos, tampa a nossa visão.

Esse legado do tsunami tem ao todo 430 quilômetros de parede de concreto, com quase 80% da estrutura já pronta. Ela ganhou o apelido de "A Grande Muralha", uma obra faraônica que custou aos cofres públicos US$ 17 bilhões e que tem a missão de proteger as cidades de futuros tsunamis. Também, dez anos depois, ainda não está pronta a maior parte dos projetos de reconstrução nas três províncias mais atingidas pelo tsunami e pelo desastre nuclear. E, enquanto isso, o governo do primeiro-ministro Yoshihide Suga já inaugurou o que ele chamou de "segundo período de reconstrução", que se estenderá pelos próximos cinco anos e cujo foco serão trabalhos intangíveis, como atendimento e apoio às vítimas.

Segundo cálculos do governo, cerca de 2 mil pessoas ainda vivem em abrigos provisórios. Outro problema são as famílias desalojadas por causa da contaminação radioativa na área próxima da usina de Fukushima. Das 470 mil pessoas removidas, perto de 41 mil ainda não voltaram para suas casas. De toda área delimitada como zona de exclusão, um total de 30% ainda continua fechado.

O governo quer que os moradores retornem para suas casas em breve e pretende incentivar a migração de famílias de outras regiões para lá. Em 2017, as autoridades liberaram trechos de alguns municípios. Visitei Okuma e Futaba, bem próximas da usina. As duas se parecem mais com cidades fantasmas. "Alguns ex-moradores vêm ver como estão suas casas, ou visitar o túmulo dos parentes", explica Mihoko Yamane, que faz parte de um projeto de reconstrução da cidade. O abandono é desolador. O cenário apocalíptico só não é completo por causa das dezenas de trabalhadores contratados para limpar cada centímetro da área. 

Dez anos depois, esse minucioso trabalho continua. É preciso lavar com jatos de água as casas, muros, árvores. Não se pode deixar nenhum resquício de contaminação radioativa. Depois, todo o solo é raspado e o entulho é cuidadosamente colocado em sacos pretos enormes, que se acumulam em depósitos a céu aberto. A usina é outro problema. O responsável pelo desmantelamento da planta, Akira Ono, confirma que o prazo para a desmontagem de toda a estrutura vai durar entre 20 e 30 anos.

Suga já se antecipou nesta semana e disse que o governo decidirá em breve o destino da água contaminada que está sendo armazenada em milhares de tanques. O problema é que a capacidade destes contêineres se esgota no outono do próximo ano. Antes de pegar o caminho de volta à Tóquio, parei de frente ao mar mais uma vez e rezei. Ali, parado, observando um pássaro que tentava vencer o forte vento, percebi que não sentia mais o aperto no coração.

Entendi finalmente que o meu elo com o Japão também estava ali, naquele povo "caipira" e fechado. E ao reconectar-me com minhas raízes compreendi a importância e a responsabilidade como jornalista de mostrar, sim, o todo, mas sem me esquecer dos verdadeiros protagonistas.

Histórias como a de um senhor que perdeu o pai, a mãe, a esposa e a filha em Otsuchi, na província de Iwate.

De um dia para outro, ficou solitário neste mundo e, por cinco anos, buscou uma razão para continuar vivendo. "É difícil, mas então percebi que se eu não lembrar da existência deles, quem vai se recordar que essa família existiu? Ou saber que eles moravam aqui. É por isso que eu nunca vou esquecê-los."