As big techs estão nos levando para a Idade Média? Conheça o tecnofeudalismo
Já ouviu falar em tecnofeudalismo? O termo pode parecer complicado, mas a ideia é simples: assim como os senhores feudais controlavam as terras e cobravam tributos, hoje as big techs dominam os serviços digitais, ditam as regras e lucram com nossa dependência delas.
Se antes o poder vinha da terra, hoje vem dos dados!
Google, Amazon, Apple, Meta e outras gigantes coletam nossas informações e definem o que consumimos, assistimos e até pensamos. Não é à toa que os algoritmos influenciam eleições e decisões do dia a dia.
No passado, a posse de bens era um símbolo do capitalismo. Hoje, muita gente não tem casa, carro ou negócios próprios—apenas aluga ou depende de plataformas como Uber, Airbnb e Amazon, que controlam o mercado e impõem taxas abusivas.
E os trabalhadores digitais? Motoristas de app, entregadores e criadores de conteúdo vivem sem direitos trabalhistas, presos a sistemas que decidem quem ganha mais visibilidade e quem some dos feeds.
Tem saída? Regulamentação das big techs, plataformas descentralizadas e uma mudança na forma como lidamos com a tecnologia podem ajudar a quebrar esse monopólio digital.
Ficou curioso? O professor Luis Felipe Valle explica mais sobre esse tema e como ele impacta nossa vida!
O que é tecnofeudalismo?
“O tecnofeudalismo pode ser entendido como um estágio do capitalismo neoliberal que resgata a lógica dos feudos medievais, mas agora sob o controle de grandes corporações privadas transnacionais.
Diferente do capitalismo industrial, baseado na concorrência e na produção de bens materiais, o tecnofeudalismo se estrutura pelo controle de plataformas digitais que monopolizam serviços, dados e redes de interação social.
Esse modelo reforça valores conservadores ao consolidar hierarquias rígidas e dependências econômicas, onde indivíduos e pequenos negócios se tornam subordinados às regras impostas por essas megacorporações.
No lugar da propriedade privada acessível ao cidadão comum, surgem cercamentos digitais e a ilusão do “empreendedorismo” em sistemas que, na prática, tornam usuários e trabalhadores cada vez mais dependentes e precarizados.”
2. Como o tecnofeudalismo se diferencia do capitalismo tradicional?
“O capitalismo tradicional operava na lógica da produção e do livre mercado, onde o crescimento econômico era impulsionado pela concorrência entre empresas e pela posse de bens físicos.
No tecnofeudalismo, essa dinâmica se altera, pois o controle econômico passa a estar centralizado nas plataformas digitais que operam como verdadeiros feudos, onde os “senhores” (as big techs e bilionários que as controlam) determinam as regras de acesso aos recursos e serviços essenciais.
A propriedade privada, princípio central do capitalismo, está sendo ameaçada pelo domínio tecnológico e financeiro exercido por essas plataformas.
Hoje, muitos não possuem mais casas, carros ou negócios próprios, mas alugam ou utilizam serviços de empresas como Airbnb, Uber e Amazon, cujas estruturas monopolistas eliminam alternativas e impõem taxas e condições que favorecem a concentração de riqueza.”
3. As big techs, como Google, Amazon, Apple e Meta, são os novos “senhores feudais”?
“Sim, as big techs funcionam como os novos senhores feudais ao monopolizar territórios digitais e impor regras unilaterais de acesso e funcionamento das plataformas.
Assim como os senhores feudais controlavam a terra e cobravam tributos dos camponeses, essas empresas controlam as infraestruturas digitais e extraem valor dos usuários e trabalhadores que dependem de seus serviços. Os algoritmos que regulam o fluxo de informação, o comércio e o trabalho online operam como portões invisíveis que determinam quem pode prosperar e quem
será excluído.
A ideia de concorrência se torna ilusória, pois essas corporações estabelecem ecossistemas fechados que tornam usuários e produtores de conteúdo reféns de suas condições.”
4. Se antes a terra era a base do poder feudal, hoje os dados parecem ocupar esse papel. Como essa lógica funciona na prática e quais são as implicações para a sociedade?
“No tecnofeudalismo, a posse da terra é substituída pelo controle da informação, dos dados e da atenção dos usuários. As big techs extraem valor da coleta e análise massiva de dados, determinando comportamentos de consumo, preferências políticas e até mesmo decisões cotidianas dos indivíduos.
A atenção dos usuários se tornou uma mercadoria, onde os algoritmos promovem conteúdos para maximizar engajamento e lucro. Essa lógica tem implicações profundas: redes sociais e mecanismos de busca moldam a opinião pública, influenciam eleições e reforçam desigualdades ao priorizar quem pode ou não ter visibilidade.
Além disso, os cercamentos digitais excluem aqueles que não possuem acesso a essas plataformas ou que não têm controle sobre como seus dados são utilizados.”
5. Podemos dizer que os trabalhadores digitais são os “servos” desse novo modelo?
“Sim, os trabalhadores digitais representam os novos servos do tecnofeudalismo, pois estão presos a plataformas que determinam suas condições de trabalho sem oferecer estabilidade ou direitos trabalhistas.
Motoristas de aplicativos, entregadores, criadores de conteúdo e freelancers vivem sob um modelo de “emprecariado”, no qual são forçados a aceitar trabalhos sob demanda sem qualquer segurança ou possibilidade de ascensão real.
Assim como no feudalismo tradicional, onde os servos trabalhavam para senhores em troca de um mínimo de sustento, esses trabalhadores dependem das big techs para gerar renda, mas estão sujeitos a regras arbitrárias, variações de demanda e um sistema de vigilância algorítmica que pode penalizá-los sem explicação.”
6. O tecnofeudalismo é um fenômeno irreversível?
“Não, o tecnofeudalismo não é irreversível, mas sua superação exige mobilização social, regulação estatal e alternativas descentralizadas de acesso e utilização das infovias. A história demonstra que sistemas opressivos podem ser transformados quando há organização e resistência. Movimentos sociais e sindicais têm lutado por direitos dos trabalhadores digitais, e alguns países já começam a regulamentar o poder das big techs.
Além disso, há iniciativas de tecnologias livres e plataformas cooperativas que desafiam esse monopólio. No entanto, enfrentar esse modelo exige o enfrentamento do controle “feudal” das corporações tecnológicas, que são frequentemente apoiadas por governos autoritários e pelo lobby corporativo que impede avanços regulatórios.”
7. O tecnofeudalismo transforma a lógica de produção e consumo. Que tipo de efeitos esse modelo pode gerar na desigualdade econômica e no desenvolvimento dos países?
“O tecnofeudalismo aprofunda desigualdades econômicas ao restringir o acesso à tecnologia e ao conhecimento a quem pode pagar. Países periféricos, que já sofrem com a dependência econômica das potências centrais, tornam-se ainda mais vulneráveis, pois a infraestrutura digital global é controlada por poucas corporações sediadas em países desenvolvidos.
Além disso, o modelo de vigilância algorítmica reforça mecanismos de controle social, monitorando e manipulando as decisões da população. Esse cenário agrava a concentração de riqueza e limita a autonomia de nações que não possuem soberania sobre suas infraestruturas digitais.”
8. Existe uma alternativa viável?
“Sim, uma alternativa viável ao tecnofeudalismo exige o distanciamento da lógica do capitalismo informacional e a criação de sociedades descentralizadas, onde a tecnologia esteja a serviço da vida e não da acumulação corporativa. Modelos econômicos baseados em plataformas cooperativas, código aberto e redes comunitárias podem substituir a dependência das big techs, garantindo maior autonomia digital e soberania dos dados.
Além disso, fortalecer economias locais, agroecologia e infraestrutura pública pode reduzir a precarização do trabalho e o domínio das plataformas sobre bens essenciais como moradia, transporte e conhecimento Para além da reorganização econômica, essa transição demanda uma mudança estrutural na forma como a humanidade se relaciona com a natureza. Inspirado nas reflexões de Ailton Krenak, o ecossocialismo, por exemplo, propõe um modelo que reconheça a interdependência entre os seres humanos e os ecossistemas, abandonando a lógica predatória do progresso ilimitado.
Isso implica substituir o consumismo pela suficiência, valorizar saberes tradicionais e promover um desenvolvimento que respeite as dinâmicas ecológicas que sustentam a vida no planeta.
Como propõe Krenak, seria necessário abandonar a ideia de que a humanidade está separada da natureza e reconhecer que fazemos parte de um grande organismo vivo. Isso significaria não apenas resistir ao tecnofeudalismo, mas reinventar a própria maneira como habitamos o planeta, substituindo o consumismo desenfreado por uma ética do cuidado e do pertencimento.”
9. Qual o papel da inteligência artificial nesse novo modelo econômico? De que forma ela fortalece (ou pode minar) o tecnofeudalismo?
“A inteligência artificial (IA) é uma das principais ferramentas de controle do tecnofeudalismo, pois automatiza a extração de dados e a vigilância dos usuários, tornando o modelo ainda mais eficiente na exploração e na manipulação comportamental.
Algoritmos preditivos moldam nossas escolhas, promovem conteúdos que maximizam o lucro das plataformas e limitam o acesso a oportunidades para aqueles que não seguem os padrões desejados pelas big techs. No entanto, a IA também pode ser usada de maneira emancipatória, caso seja desenvolvida em código aberto é utilizada para fortalecer redes descentralizadas, educação digital e inovação coletiva.”
10. Como o usuário comum pode se proteger do domínio das big techs?
“A principal ferramenta do usuário contra o tecnofeudalismo é o pensamento crítico e a substituição da lógica individualista e imediatista de ostentação de consumo e aparências por um modelo político-econômico mais solidário, generoso e cooperativo.. É fundamental compreender como os dados são coletados, evitar a dependência de serviços monopolistas e buscar alternativas descentralizadas, como navegadores e redes sociais que respeitem a privacidade.
Além disso, o fortalecimento da educação digital e da soberania tecnológica é essencial para reduzir o poder das big techs sobre nossas vidas. Ações individuais, como o uso de softwares livres e a valorização de economias locais, podem contribuir para a construção de um ecossistema digital mais justo e democrático.
Mas é fundamental lembrar que a dependência cada vez maior das plataformas no nosso dia-a-dia (ambientes de educação, apps de transporte, compras, finanças, relacionamento, aluguel, viagens etc.) não é uma consequência espontânea dos avanços tecnológicos, mas uma estratégia articulada entre atores hegemônicos do capitalismo global (Estado, grandes corporações, instituições financeiras, imprensa e indústria cultural) para dar manutenção ao controle que exercem sobre as sociedades.”
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