#Unicamp – Olhos D’Água, De Conceição Evaristo
Por professora Jéssica Dorta (Literatura)
A obra “Olhos D’água”, da escritora mineira Conceição Evaristo, é uma antologia de contos publicada em 2014 pela Pallas Editora, a partir de um projeto do Ministério da Cultura e da Biblioteca Nacional. Em 2015, a obra conquista o 3º lugar do prêmio Jabuti na categoria Contos, o que, segundo a autora, foi importante para legitimar a sua participação enquanto escritora negra na Literatura brasileira. Parte dos contos foi publicada a partir de 1990, na série anual Cadernos Negros, organizada pelo grupo Quilombhoje. A série teve sua primeira edição publicada em 1978 e, desde então, quarenta volumes foram lançados com o propósito de dar visibilidade a autoras e autores negros, assim como às literaturas periféricas. A coletânea é composta por 15 narrativas curtas com uma gama significativa de personagens: crianças, homens e, sobretudo, mulheres; uma vez que as personagens femininas – mães, idosas, crianças, filhas, ex-prostitutas, domésticas – estão sempre no centro do processo de escrita da autora.
Os contos são atravessados pelos muitos dilemas sociais e existenciais que envolvem as experiências de pessoas afro-brasileiras na sociedade. Essas pessoas, que nos contos vestem-se de personagens, ocupam diferentes papéis sociais e experienciam a violência, o abandono, a fome, o assédio e a morte. Há também a presença das culturas tradicionais africanas por meio de referências a nomes e às religiões de matriz africana. Apesar do recorte racial explícito e incontornável, fruto da própria experiência de vida da autora, os contos provocam reflexões que extrapolam os corpos negros e se debruçam sobre a própria condição humana.
Embora a coleção de contos seja marcada por situações de extrema vulnerabilidade, as relações estabelecidas entre as personagens não são definidas apenas por condições degradantes. No conto homônimo à obra, por exemplo, a narradora, em 1ª pessoa, descreve os olhos da mãe como “rios caudalosos”. Nesse rio, além de miséria, correm águas de alegria e afeto. Assim, mesmo em meio à desesperadora fome, a filha recorda-se com detalhes dos momentos da infância em que a mãe contornou as dificuldades com amor e presença. Com a sensibilidade de quem vivencia na pele as contradições e a perversidade da sociedade, Conceição Evaristo constrói narrativas dolorosas, marcadas pela violência e pela opressão, mas que, ao mesmo tempo, conduzem e convidam o leitor a um caminho de resistência, luta e esperança.
Apesar de os afro-brasileiros estarem representados em muitas obras da literatura nacional, a maioria delas foi escrita por autores brancos. Nesse sentido, Conceição Evaristo compreende a Literatura como uma possibilidade de preencher as lacunas históricas construídas pela colonialidade, pois permite que as narrativas sejam contadas da perspectiva de quem, de alguma forma, as vivenciou. Essa é a grande marca das obras da escritora: a escrevivência. Isto é, a escrita da autora está marcada por um lugar de enunciação que é o de alguém que, enquanto mulher negra, vivenciou e vivencia as experiências narradas. Conceição Evaristo é Ana Davenga, é Maria, é Natalina e tantas outras mulheres que se fundem em uma só. Nesse sentido, a fronteira que separa a realidade vivida e a ficção sonhada se dissolve, e, assim, como indicou Marisa Lajolo, os leitores ganham “olhos d’água”.
A prova de Língua Portuguesa é, sobretudo, uma prova de gêneros discursivos. Por isso, as características estruturais do gênero conto não podem passar despercebidas. Assim, é interessante atentar-se, por exemplo, aos narradores presentes nos contos, uma vez que eles revelam perspectivas importantes para a compreensão das experiências narradas. Em “A gente combinamos de não morrer”, por exemplo, há uma alternância de narradores que possibilita ao leitor uma experiência múltipla de leitura. As marcas dessa alternância não se dão apenas pelo teor do que é escrito, mas pela forma como é escrito. Além disso, o Vestibular Unicamp é marcado por uma preocupação explícita com a formação cidadã e o letramento crítico dos alunos, não por acaso obras como Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, e Sobrevivendo no Inferno, de Racionais MC’s, já foram leituras obrigatórias. Sendo assim, mostra-se imprescindível que os alunos percebam as dimensões sociais e culturais da obra, por meio dos enredos e das personagens, e o convite que ela faz para nos unirmos em prol de uma sociedade mais justa e livre para todas as pessoas
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