Enem teve prova crítica e com temas atuais, avaliam professores; veja destaques por disciplina
Enem teve prova crítica e com temas atuais, avaliam professores; veja destaques por disciplina
Primeiro dia do exame ocorreu neste domingo, com questões de linguagens, ciências humanas e redação. Especialistas comentaram principais tópicos de cada área
Caio Blois, Eduardo Gayer e Pepita Ortega
SÃO PAULO – No primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), candidatos de todo o País produziram uma redação sobre o tema “Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet” e responderam a 90 questões de linguagens e ciências humanas. Em conversa com o Estado, especialistas comentaram os principais tópicos abordados na prova. Confira abaixo os conteúdos por disciplina.
Na avaliação de Giuseppe Nobilioni, coordenador pedagógico do Objetivo, a prova foi crítica, com temas atuais, como cidadania, direitos humanos, gênero e internet. “As provas sempre procuram refletir o momento que o país vive, isso é sempre positivo.”, afirma. Daniel Perry, coordenador do curso Anglo, também salientou a presença das temáticas sociais e questões relacionadas a direitos civis, e qualifica a prova como rica, abrangente e equilibrada.
Filosofia e Sociologia
As questões de Filosofia e Sociologia foram um pouco diferentes em relação a anos anteriores. O professor Fábio Romano, do grupo COC, ficou surpreso pela ausência de temas clássicos do Enem, como filosofia grega e patrimônio cultural brasileiro. “No caso da filosofia, deixou de lado, também, outros autores tradicionais, como Descartes, Locke, Aristóteles Sócrates, Platão e Marx”, comenta. Em compensação, autores da filosofia cristã como São Tomás de Aquino e Santo Agostinho ganharam espaço no Enem 2018.
Em relação à sociologia, os temas se aproximaram bastante da geografia e da geopolítica, como a geopolítica. Isso, por sua vez, causa um distanciamento de temáticas tradicionais da prova, como questões culturais.
Entre as questões de filosofia e sociologia, o professor do Objetivo José Mauricio Mazzucco comenta a abordagem da sociedade sem estado, relacionada à ideia do comunitarismo e à questão indígena. “Essa questão evoca de certa maneira que a sociedade tem que participar do universo político”, comenta.
A dificuldade das questões, para Romano, foi elevado. “Nenhuma delas poderia ser resolvida apenas com interpretação de texto, o que já era uma tendência dos anos anteriores.”
Fábio Romano ressalta que o Enem está se tornando cada vez mais um vestibular tradicional. “Não deixa criar padrão, pega de surpresa o aluno que se prepara apenas para o trivial”.
Geografia
Cláudio Hansen, professor do Descomplica, comenta que a prova trouxe questões de geografia física, clima, hidrografia e noções de geologia, confirmando uma tendência observada em 2017 de abordar esses assuntos que tinham menos peso em anos anteriores.
José Mauricio Mazzucco, professor do Objetivo, avalia a prova como equilibrada, trazendo questões sobre o quadro natural do Brasil, cartografia temática, Oriente Médio, entre outros temas.
Hansen afirma que os textos da prova estavam mais densos, exigindo uma maior capacidade de leitura dos candidatos. “Pelo menos em cinco questões o estudante precisava ter leitura de mapa, gráfico ou esquema. Além dos textos estarem mais denso, foram apresentadas outras formas de escrita.” comenta o professor de geografia.
Cultura africana, questões de gênero, escravidão e noção de democracia foram tópicos que voltaram a aparecer nos enunciados da prova, aponta Cláudio. Ele comenta: “O Enem voltou a ter um caráter crítico e contemporâneo, o que é muito bom.” Com relação à parte de atualidades, Hansen comenta que a relevância das notícias sobrevive em média de quatro a cinco anos. “Não cai somente o que está muito atual. Tópicos como a questão dos refugiados e a seca de 2014 foram cobrados.”
Para Cláudio, a prova ganhou um nível de dificuldade, e deve ser avaliada entre mediana e difícil pelo Descomplica. “A interpretação continua ajudando o aluno, mas as questões que podem ser consideradas como muito fáceis não apareceram”, comenta Hansen. A ausência de assuntos clássicos, como indústria, energia, vegetação e biomas do Brasil também chamou atenção do professor.
História
“Uma prova dentro do esperado, sem grandes novidades.” É a avaliação de Renato Pellizzari, professor de história do Descomplica. Para ele, a prova, com textos menores e adequados ao tempo de prova, reuniu assuntos interessantes, como o movimento pelos direitos dos negros nos Estados Unidos; controle de voto na República Velha – o coronelismo; política partidária na República liberal brasileira (décadas de 50 e 60).
Pelizzari ressalta que a o exame manteve a proposta de privilegiar habilidades de leitura, interpretação e análise em relação a conteúdos específicos. “Nada daquela decoreba de vestibulares antigos”, destacou o professor. “O candidato que desenvolveu a capacidade de compreender os fenômenos de uma maneira mais ampla e com calma, vai fazer uma prova melhor.”
Outro tema cobrado que chamou a atenção de Renato Pellizzari foi a famosa foto de Getúlio Vargas com duas crianças, em questão que abordava as cartilhas escolares na Era Vargas.
Giuseppe Nobilioni comenta que a prova abordou a história do Brasil de maneira completa, “desde o descobrimento até o regime militar, tratando dos movimentos sociais, transformações e choques culturais”. O professor avalia ainda que, apesar da clareza dos textos, o aluno precisava estar atento não só aos enunciados, mas também às perguntas e alternativas para ter sucesso na prova.
Português
“A prova estava mais crítica, menos conteudista”, avalia Claudio Caus, professor de Língua Portuguesa do Cursinho da Poli. Em sua avaliação, a parte de português não teve mudanças significativas e contou com uma ênfase maior nas variedades linguísticas do que nos últimos anos.
Giuseppe Nobilioni, coordenador pedagógico do Objetivo, destaca que a prova de português manteve a tradição de competência na interpretação apresentando textos de muito conteúdo sobre questões atuais, como gênero, etnia, direitos humanos e construção da cidadania.
Caus destaca as questões contemplaram as diversidades. “Em uma questão, o eu-lírico do texto, negro, assumia o discurso de opressor. Em outra, um anúncio publicitário incentivava a denúncia de assédio sexual. São temas muito discutidos recentemente, inclusive nos debates políticos”, ele comenta.
Segundo o professor, em comparação ao ano passado, menos autores canônicos foram cobrados e abordou-se uma literatura contemporânea. “Guimarães Rosa foi citado em duas questões, uma delas com um quadrinho sobre Grande Sertão Veredas” ele afirma. A prova também contou com perguntas sobre funções de linguagem e tecnologia de informações.
Redação
Professora de redação do grupo Descomplica, Carol Achutti gostou do tema. Para ela, trata-se de um tema inovador, pois é muito atual e de caráter bastante político. “As redações dos últimos anos tratavam de aspectos sociais mais gerais com recortes em minorias, era esse ambiente”. Essa novidade, para ela, poderia lançar tendência para os próximos anos. “É uma coisa que a gente sempre esperou, um tema amplo para uma prova nacional.”
Carol mostrou preocupação, no entanto, com alunos que tenham produzido a redação a partir da temática das fake news. “O aluno que escrever só sobre fake news está tangenciando o tema, que é mais amplo” Até mesmo o presidente Michel Temer, que se manifestou sobre a redação do Enem via Twitter, cometeu tal erro.
Simone Motta, coordenadora de Português do Grupo Etapa, destaca a importância da leitura dos textos de apoio. “Os alunos podem se entusiasmar com as informações e se deixarem levar por ideias pré-concebidas sem fazer a leitura atenta da coletânea. Um risco é enveredar por uma zona de conforto que não foi contemplada pela banca.”, comenta.
Possíveis temas que poderiam ser abordados pelo candidato, na visão de Carol, são: eleição de Trump, eleição de Bolsonaro, caso Cambridge Analytics e Mark Zuckerberg e Marco Civil da Internet, sempre como complementos à temática principal.
O coordenador do curso Anglo, Daniel Perry, também gostou da atualidade do tema. “Dialoga muito com o próprio processo político visto no Brasil e em outros países recentemente. O candidato deveria fazer uma leitura muito atenta e elaborar um texto analítico.”
Célio Tasinafo, diretor pedagógico da Oficina do Estudante, também colocou que o tema pode ser objeto de confusão por parte de alguns candidatos. “A questão não falava da influência nas eleições, era sobre consumo de dados, a questão dos algoritmos.” E completa: “Se o aluno deixou de lado os textos e o gráfico sobre utilização da internet, achando que tudo estava em seu subconsciente, pela condução do processo eleitoral, ele pode errar feio.”
Fonte: Estadão
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